terça-feira, 18 de agosto de 2009

Guerra de canudos

Contestações políticas e religiosas contra a República: Canudos.
Canudos foi, sem dúvida, o movimento de religiosidade popular mais estudado e de maior significado para o Brasil. Localizado no sertão da Bahia mais precisamente em Belo Monte tinha em Antonio Conselheiro a figura de seu grande líder. Teve seu início nos fins de outubro de 1896 mas só foi virar motivo de preocupação para a república após a derrota da terceira expedição comandada pelo coronel Moreira César em março de 1897. Na quarta e última expedição quando Canudos já era vista como uma séria ameaça a estabilidade do regime republicano organizou-se um plano estratégico sob o comando do general Arthur Oscar de Andrade Guimarães onde todas as forças do país foram convocadas para lutar em nome da república contra os “fanáticos” religiosos de Antonio Conselheiro. No dia 5 de outubro de 1897 o exército invade o arraial de Canudos. Dia 22 de setembro de 1897 Antonio Conselheiro morria de causa desconhecida. Desta forma estava terminada a ameaça monarquista e garantida a hegemonia da república. Porém, o objetivo deste texto não é analisar a cronologia dos acontecimentos da guerra de canudos, mas sim discutir suas implicações políticas e religiosas dentro do contexto histórico da república recém instaurada. Para isto travarei diálogos com os textos discutidos ao longo do curso e com os jornais pesquisados no setor de microfilmagem do CENTUR.
A primeira visão a ser destacada a cerca do movimento de Canudos é a de Euclides da Cunha retratada na sua principal obra “Os sertões” e que a autora Jacqueline Hermann analisa tão bem no seu texto “A religião e a política no alvorecer da república: os movimentos sociais de Juazeiro, Canudos e Contestado”. Euclides da Cunha que esteve no cenário da guerra como correspondente de um jornal, inicialmente tinha uma visão eminentemente política de Canudos e via o movimento como um foco de restauração monárquica. Mas quando entrou em contato com a realidade do sertão baiano, deparou-se com um cenário calamitoso para um homem urbano que acreditava nos ideais de progresso e modernidade prometidos pela República. Logo, segundo Luis Costa Lima, “a idéia de conspiração monárquica vai cedendo passo ao transformismo sociológico”. A partir daí, Euclides da Cunha mergulha no mundo da ciência para explicar a realidade do homem sertanejo. Para ele, o homem do sertão tem uma força física intensa, mas uma capacidade inata devido à natureza inóspita a qual este homem é submetido. É válido frisar que esta visão de Euclides da Cunha foi hegemônica até os fins da década de 1950. Assim como a visão euclidiana, as autoridades republicanas também se referiam à Antonio Conselheiro e seus seguidores com características difamadoras como podemos observar numa nota que saiu no jornal “A República” de 15 de abril de 1897 sobre o líder do movimento: “Há grande números de famílias alarmadas temendo os saques e depredação por parte da gente do conselheiro, que tem chegado até Simão Dias. Os fanáticos, além de roubar, incendeiam as casas e propriedades ruraes”. O termo fanático utilizado no jornal reflete uma análise feita por um médico da Bahia, Raimundo Nina Rodrigues, onde através de seu trabalho procurou explicar o desequilíbrio mental do Conselheiro em virtude das condições sociológicas do meio em que se organizou. Assim, Antonio Conselheiro, santo e beato para os sertanejos, transformou-se em líder fanático, louco, para os defensores da república.
Outra visão significativa sobre o arraial de Canudos foi a de Rui Facó através de “Cangaceiros e fanáticos”. O texto de Jacqueline Hermann faz uma brilhante análise sobre os artigos de Facó. Segundo a autora “Facó deu início a uma corrente que passou a rivalizar com a leitura euclidiana”. Essa corrente consiste em ver a luta de Canudos como uma luta pela terra, contra o latifúndio e contra a opressão. Essa nova abordagem sobre Canudos abre o campo de análises para fatores antes nunca observados. Em vez de se pensar o arraial de Canudos através de interpretações condenatórias, herdeiras do contexto intelectual e político do momento de substituição da Monarquia pela República como era feito por Euclides da Cunha, agora se buscava analisar o movimento de acordo com os fatores positivos como a luta pela terra, e a esperança de mudança da estrutura política e social do Brasil. È interessante essa corrente de Rui Facó uma vez que nos faz pensar sobre os limites territoriais desses ideais de progresso e modernidade exaltados pela República. Com o advento do regime republicano toda uma nova conjuntura se instalou sobre a vida da sociedade brasileira inclusive desses sertanejos que participaram do movimento de Canudos. Pagamentos de novos impostos, separação do estado da igreja, casamento civil, laicização do ensino. Ou seja, foram fatores que surgiram em um momento da vida dessa população onde tudo piorava. Antonio Conselheiro, então, surgiu para este povo do sertão como esperança de uma vida melhor. Fornecendo lugar para moradias, para produção de roças, livre de impostos e de outros males oferecidos pela República. Esse lugar era justamente Belo Monte onde se encontrava o arraial de Canudos como descreve um soldado que esteve combatendo o movimento: “E’ logar bonito, tem 2 igrejas, em construção e a outra já prompta. Há no logar cerca de 3 mil casas. Tinha ali algumas vendas bem sortidas, havendo bons queijos, cerveja, vinho do Porto etc”. Essa descrição se encontra no jornal “A República” do dia 2 de abril de 1897 e nos dar uma idéia da organização de Canudos. Essa nova visão que Facó proporciona a cerca de Canudos também nos leva a pensar a respeito da figura de Antonio Conselheiro. Antes visto como um fanático desequilibrado mental, agora tendo a possibilidade de surgir como “sertanejo letrado, capaz de exprimir-se correta e claramente na defesa das suas concepções políticas e sociais de suas crenças religiosas” como afirma Douglas Monteiro. Apesar de ser contra o regime republicano Antonio Conselheiro dedica apenas uma prédica sobre a República. Nesta prédica o beato prega a continuidade da sujeição à ordem, desde que Deus seja a autoridade máxima. Nas demais prédicas são citadas temáticas de caráter religioso. Fica claro, a partir dessa visão de Facó, que Canudos foi muito mais que um movimento contra o regime republicano. A questão não era apenas de regimes políticos, mas também, e principalmente, do social. Canudos funcionou como uma válvula de escape para as injustiças que esse povo do sertão sofria. Embora com o advento da República viesse junto todos os ideais de modernidade, progresso, e liberdade, porém, o que se via no sertão baiano era uma situação de total exclusão. Com o povo na miséria, perdendo seus poucos bens para os impostos da república. “O caudal dos ideais modernos” para utilizar uma expressão de Margarida de Sousa Neves em seu texto “Os cenários da república. O Brasil na virada do século XIX para o século XX” se tornaria uma falácia para este povo tão sofrido do sertão da Bahia. Canudos, então, deve ser visto como um movimento que lutava pelos direitos sociais do povo daquela área, tendo como base todo um discurso religioso legitimador de suas ações.
Entrando no lado religioso do movimento de Canudos torna-se necessária a retomada do debate sobre a obra de Jacqueline Hermann “Religião e política no alvorecer da república: os movimentos de Juazeiro, Canudos e Contestado” uma vez que a autora coloca em questionamento o significado messiânico do movimento. Segundo a autora, Antonio conselheiro nunca se intitulou o messias, e jamais se investiu de papéis sacerdotais. Para ela o que fez Antonio Conselheiro conquistar um papel de liderança dentro de Canudos foi o fato de ele apresentar uma cultura letrada, em um ambiente onde essa intelectualidade não era comum, associada com a vivência prática dos temas tratados em suas pregações. Ou seja, o fato dele passar pelas mesmas dificuldades que seus seguidores e ainda ser detentor de um saber erudito colocava-o em um patamar de admiração por parte dos demais.
Portanto, o movimento de Canudos não deve ser analisado apenas através de teorias condenatórias originárias do contexto político e intelectual do momento de passagem da Monarquia para a República. Mas deve ser visto como uma resposta local às inúmeras transformações que surgiram em decorrência da troca de regime governamental.
Produzido por Leonardo Oliveira.

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